Arca do Gosto e as Fortalezas Slow Food

Já ouviu falar em butiá? Macaúba? Mel de abelha canudo Sateré-Mawé? Pois saiba que estes são ingredientes brasileiros em risco de extinção, simplesmente porque sumiram do nosso prato, e consequentemente da nossa terra. Por isso o Slow Food criou a Arca do Gosto, um catálogo mundial de produtos alimentares característicos e representativos da sociobiodiversidade e das tradições locais ameaçados de desaparecimento biológico ou cultural.

Na Arca, embarcam espécies vegetais e animais, mas também produtos processados e modos de fazer, já que, junto com a diversidade vegetal e animal, estão desaparecendo também queijos, carnes curadas, pães e doces, expressões de saberes rurais e artesanais não escritos, que são fruto de competências e práticas transmitidas de geração em geração. A Arca foi criada para chamar a atenção para tais produtos, denunciar o seu risco de extinção e convidar todos a agir para conservá-los: buscá-los, comprá-los, comê-los, apresentá-los, apoiar seus produtores. Em 1999, o Slow Food partiu da Arca do Gosto para lançar a sua primeira Fortaleza Slow Food.

As Fortalezas Slow Food trabalham dentro de uma comunidade pela salvaguarda de um produto tradicional em risco de extinção biológica e/ou cultural e que faça parte da Arca do Gosto. As ações em cada Fortaleza são definidas a partir das demandas de cada comunidade. A ideia é encontrar e construir caminhos junto aos agricultores familiares para resolver suas dificuldades, potencializando suas produções e favorecendo o surgimento de alianças entre quem produz e quem consome, de forma coletiva e colaborativa. Hoje existem nove Fortalezas, 16 em processo de criação, devendo chegar a 25 em 2018.

Ainda hoje, indicar um produto para a Arca é muitas vezes o primeiro passo para iniciar uma Fortaleza Slow Food. Saiba mais no site do Slow Food e baixe gratuitamente o livreto da Arca do Gosto.

O que produzem as Fortalezas:

Babaçu (BA)
Coletado pelas quebradeiras de babaçu, é um tipo de coco muito pequeno dotado de sementes oleaginosas. Das castanhas, se extrai um óleo comestível, que tem aroma de avelã e é usado em pratos regionais, especialmente à base de peixe. Para efetuar a extração desse óleo, as castanhas são torradas, esmagadas no pilão e misturadas à água quente – o que facilita a separação da parte oleosa. A farinha, que também é obtida no processo, é rica em amido.

Butiá (SC)
É fruto de uma palmeira de ampla ocorrência no Cerrado e nas restingas da região Sul. Os butiás utilizados são provenientes de Santa Catarina. Dos pequenos cocos de coloração amarelo-alaranjada, são utilizadas tanto as amêndoas, para fabricação de pães e biscoitos, quanto a polpa, de sabor predominantemente ácido, para o preparo de geléias, doces e sucos.

Cacau Cabruca do Sul da Bahia
Em resumo, o cacau cabruca, cultivado há mais de 200 anos no sul da Bahia, é o fruto do cacaueiro plantado sob a sombra de árvores da Mata Atlântica. Economicamente importante para a região – a produção está intimamente ligada ao manejo familiar -, o sistema cabruca é também um legado cultural e histórico, pois contribui para a conservação da floresta.

Cambuci (SP)
Nativo da Mata Atlântica, é parente da goiaba, da pitanga, da guabiroba e da jabuticaba. Tem polpa cremosa, suculenta, com poucas sementes, é ligeiramente doce e bastante ácido – não é o tipo de fruto que se consuma facilmente in natura. Em compensação, é saboroso e perfumado, usado, por exemplo, para aromatizar cachaça.

Castanha de Baru (GO)
O fruto do baruzeiro contém uma castanha de sabor delicado que, quando torrada, lembra um pouco o sabor de amendoim e castanha de caju. É utilizada tanto em receitas salgadas quanto doces, como pé de moleque e paçoquinha. Dela, também é possível extrair um óleo de excelente qualidade, geralmente utilizado como tempero.

Engenhos de Farinha de Santa Catarina
Instalados em Florianópolis, Bombinhas, Angelina, Paulo Lopes, Garopaba e Imbituba, todos no Estado de Santa Catarina, tais engenhos dedicam-se à produção de farinha de mandioca polvilhada e outros derivados, como cuscuz, beiju e bijajica (bolo típico cozido no vapor). Branca, com textura fina e macia, a farinha dos Engenhos de Santa Catarina se diferencia das demais por conta das variedades de mandioca utilizadas e pelo modo de fazer (com fina peneiração após o forneamento).

Farinha Bragantina (PA)
Também conhecida como farinha de Bragança, é feita a partir da mandioca, mas com um método bem específico. Primeiro, a raiz é deixada de molho de quatro a cinco dias. Depois disso, é descascado e mergulhado novamente em água limpa por mais 24 horas. A mandioca é, então, triturada e colocada no tipiti – prensa indígena de palha, utilizada para retirada do tucupi (líquido). Uma vez drenada, a massa é torrada em forno pré-aquecido para virar farinha.

Gergelim do Território Kalunga (GO)
Produzido por quilombolas Kalungas, no nordeste goiano, é encontrado em duas variedades, a branca, mais consumida, e a preta. Na gastronomia, pode ser consumido in natura ou torrado, no incremento de saladas, biscoitos e pães, por exemplo, e na tradicional paçoca Kalunga, na qual ingrediente é macerado em pilão de madeira. Aparece também na forma de óleo.

Licuri (BA)
O fruto tem uma camada de polpa e uma noz que dentro esconde uma castanha de sabor intenso, que lembra coco. Também conhecido como coquinho-cabeçudo, pode ser consumido verde ou maduro, fresco ou tostado. Do coco, extrai-se o “leite”, utilizado na preparação de arroz, ou o óleo. Na região, é apreciado em receitas à base de peixe ou frango.

Macaúba (MG)
Os frutos desta palmeira também chamada bocaiúva são redondos e, quando maduros, apresentam casca fina e quebradiça e polpa macia e fibrosa, com uma grande amêndoa no interior. Podem ser consumidos in natura, na forma de polpa ou de farinha. Tem sabor marcante e aromático.

Maracujá-da-Caatinga (BA)
Também conhecido como maracujá-do-mato, tem casca verde (mesmo quando maduro) e polpa branca abarrotada de sementes. É extremamente saboroso e perfumado, com um sabor mais longo, denso e ácido que o do popular maracujá amarelo. Pode ser consumido in natura, em sucos, ou transformado em doces e geleia. As folhas e cascas são usadas para chás caseiros.

Mel de Abelha Canudo Sateré-Mawé (PA)
As abelhas canudo, pequenas, silvestres e sem ferrão, produzem mel a partir das flores de waraná (nome tradicional do guaraná) cultivado pelos Sateré-Mawé (leia abaixo). O néctar resultante tem alto teor de água, açúcar e acidez, sendo, portanto, bem líquido, aromático e saboroso.

Mel de Abelha Jandaíra (RN)
“Quem passa por Jandaíra [a Cidade do Mel] não pode sair sem mel”, diziam conterrâneos mais antigos, que costumam consumi-lo com farinha de milho. De coloração âmbar claro, fluido, ligeiramente ácido e com notas de ervas e especiarias, esse néctar é produzido por abelhas sem ferrão endêmicas da Caatinga, também batizadas de Jandaíra.

Mel de Abelha Mandaçaia (BA)
O mel produzido por tais abelhas sem ferrão – também conhecidas como amanaçaí, amanaçaia, manaçaia e mandaçaia-grande – é líquido e caracteriza-se por um aroma multifloral e persistente, típico da Caatinga.

Milhos Crioulos (MG)
Estes milhos crioulos são variedades da Serra da Mantiqueira cultivadas ao longo dos séculos por comunidades indígenas e agricultores familiares. Além do próprio milho, que é base para inúmeras receitas típicas, como bolos, cural e pamonha, produtores apostam em derivados, como o fubá mimoso, que é moído em moinho de pedra.

Pequi do Xingu (MT)
Com sabor perfumado e único, o pequi é um dos ingredientes mais emblemáticos da culinária do Cerrado – ele incrementa, por exemplo, os preparos de arroz, feijão e frango, dando um toque adocicado às receitas. Há quem goste de degustar a fruta in natura, mas, atenção: a polpa de coloração amarela intensa envolve um caroço duro forrada de espinhos. Do pequi ainda se obtém a castanha.

Pinhão da Serra Catarinense (SC)
O pinhão é a semente da araucária – ou pinheiro-brasileiro, para os íntimos. De casca rígida, é geralmente cozido em água ou assado diretamente na chapa do fogão a lenha antes de ser usado em outras preparações.

Umbu (BA)
Também conhecida como imbú, essa frutinha suculenta de casca verde ou amarela é agridoce e aromática. Pode ser consumida crua ou transformada em conservas, vinagre (através do cozimento das frutas meio passadas), geleia e compota. A tradicional umbuzada, bebida levemente ácida e típica no nordeste, é preparada a partir do cozimento da fruta com leite e açúcar.

Waraná Sateré-Mawé (PA)
Vermelhinho por fora, de polpa branca e semente preta, o waraná (nome tradicional do guaraná) é cultivado há centenas de anos na Amazônia brasileira pelos índios Sateré-Mawé. Depois de torradas, as sementes são descascadas, trituradas em pilão e moldadas em bastões. Estes, por sua vez, são embalados em sacos de algodão e colocados nos fumeiros, onde são defumados com madeiras aromáticas. Os bastões são então ralados, dando origem ao waraná em pó.

 

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